Quem acompanha, como eu, a trajetória do movimento sindical neste País sabe que ao longo das últimas décadas as lideranças dos trabalhadores, sobretudo aquelas abrigadas sob o mando da CUT, têm defendido sistematicamente o fim da arrecadação compulsória do chamado “imposto sindical” (trata-se, na realidade, de uma contribuição).
Os argumentos utilizados eram:
a) o imposto é uma herança maldita da legislação ditatorial getulista, por sua vez inspirada na legislação fascista italiana (Carta del Lavoro);b) destina-se a propiciar a manutenção de sindicatos inoperantes, comandados por pelegos, que não precisam ter trabalhadores sindicalizados, pois o imposto lhes garante (aos sindicatos) uma renda certa, sem necessidade de fazer qualquer esforço;c) com o seu fim, sempre se disse, somente iriam sobreviver aqueles sindicatos respeitados pela categoria e que desenvolvem permanente luta em defesa do seu corpo de associados.
Este o discurso.
Bastou, porém, a Câmara de Deputados aprovar uma emenda apresentada pelo deputado Augusto Carvalho - PPS/DF, ele próprio egresso do movimento sindical, para se instalar no País uma situação que seria absolutamente ridícula se não fosse trágica.
Quase todos os sindicalistas deste País se uniram na condenação da aprovação da emenda e esgrimem o curioso discurso de que continuam, sim, a favor da extinção do famigerado imposto, mas que:
a) não pode ser assim de repente, sem nenhuma discussão (como se o assunto não estivesse sendo discutido há pelo menos 40 anos);b) não pode acabar somente com a arrecadação do imposto junto aos trabalhadores, pois a emenda foi apresentada a um projeto que não atinge os sindicatos patronais, que também têm o seu “imposto sindical” arrecadado junto às empresas. Afora a surpresa de ver representantes de trabalhadores defendendo os interesses das empresas (e não dos trabalhadores), a solução natural seria a proposição de alteração similar do lado das empresas, buscando-se a isonomia, se é o caso. Nunca o contrário!;c) essa decisão significa o fim dos sindicatos (estranhamente não se usa mais o adjetivo “pelegos”, que sempre acompanhou este argumento nas últimas décadas; agora significaria, numa nova leitura, o fim de todos os sindicatos ou, quem sabe, significaria talvez que não há mais sindicato pelego no País).
A bem da verdade, esclareçam-se duas importantes coisas:
a) a emenda aprovada não acaba com o famigerado “imposto”, mas o torna opcional e não mais compulsório; b) o sindicato dos bancários de São Paulo, filiado à CUT, há muitos anos não se locupleta desta arrecadação compulsória. Por muitos anos recusava sua cobrança e, desde 2006, obrigado por decisão judicial a recolhê-lo, devolve aos trabalhadores os 60% que lhe caberiam.
Hoje este sindicato, o de São Paulo, é a prova viva da argumentação utilizada há décadas: os sindicatos representativos não precisam espoliar os trabalhadores e podem prescindir do tal imposto. Portanto, se o Senado mantiver a emenda e se a presidente Lula não a vetar (o que o obrigaria a dizer que seria bravata sua histórica defesa do fim do imposto) os sindicatos em geral não acabarão. Talvez somente os pelegos, como se dizia antigamente.
Finalmente, lamento profundamente o baixo nível de algumas lideranças que se vêem ameaçadas de perder a mais tradicional boquinha do sindicalismo brasileiro, que lhes permitir ter sindicatos sem trabalhadores sindicalizados. A destacar, segundo notícia hoje publicada em O Globo, que os “ânimos estão bastante acirrados, inclusive com ameaças pouco veladas feitas pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical. Augusto Carvalho disse que teme ser hostilizado e agredido, e avalia a conveniência de participar ou não da audiência. Num debate com Paulinho, na TV Câmara, ele disse ter sido alvo de agressões pesadas, o que transformou o debate em uma enorme “baixaria”. - “Ele ainda não viu nada. Ele corre o risco de apanhar na rua. Aí vai entender o que está fazendo” - disse Paulinho, durante reunião de sindicalistas ontem no Senado.”
Quatrocentos sindicalistas estão chegando a Brasília, com despesas pagas certamente pelo imposto sindical compulsório, para fazer a defesa veemente da manutenção do “monstrengo fascista” (como se dizia antes). É bom que os trabalhadores brasileiros vejam quem são essas lideranças que querem, sim, expropiar um dia dos seus salários, mas não os querem por perto, em seus sindicatos.
O deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical, ameaça o deputado Augusto Carvalho — “Ele corre o risco de apanhar na rua. Aí vai entender o que está fazendo” — em função da emenda que torna facultativa a contribuição sindical, conhecida como imposto sindical. Mas o deputado Paulinho tem (ou melhor, tinha, quando não estava na base-aliada do Governo) interessantes teses sobre o assunto.
Leiam a seguir trechos de um texto escrito por ele. Os negritos foram postos por mim (para que não se alegue estarem as frases fora do contexto, ao final dou a fonte para quem quiser ler o artigo na íntegra). Dá para ver que em 10 anos transformou-se de Paulo em Paulinho e passou para o time dos que “dizem que querem acabar com o imposto” e “trabalham para que ele não acabe”.
“Chega de imposto também no sindicato!”.
Essa fortuna serve, clara, para prestar serviços ao trabalhador, mas também para garantir a boa vida dos dirigentes.
PAULO PEREIRA DA SILVA
Os brasileiros pagam mais de 50 impostos, taxas e contribuições. É muito, principalmente porque recebemos pouco em troca. Só para manter as organizações sindicais (tanto dos empregados, como meu sindicato, quanto dos patrões, como a Fiesp), existe um imposto e duas contribuições que são como impostos, porque obrigatórios.
Como o governo está demorando a fazer as reformas tributária e fiscal, a Força Sindical decidiu dar o exemplo e fazer sua própria reforma, abrindo mão de tudo o que é imposto no sindicalismo.
Hoje, 8.730 sindicatos, 430 federações e 26 confederações são mantidos pelo famigerado imposto sindical, que existe desde 1937 e rende R$ 300 milhões ao ano, correspondentes ao desconto de um dia de trabalho de todo empregado com carteira assinada (60% para os sindicatos, 20% para o Ministério do Trabalho, 15% para as federações e 5% para as confederações).
Não precisamos desse imposto. Ele só serve para manter federações e confederações que existem desde a Era Vargas, dirigidas pelas mesmas pessoas há várias décadas e que, com raras exceções, nada fazem para defender os trabalhadores ou os empresários que afirmam representar. (…)
A Força Sindical acha que isso tem que acabar. Há pelo menos cinco anos se fala nisso, mas até agora o caminho foi errado. Pretendia-se acabar com a mamata com uma emenda constitucional reformando a estrutura sindical.
As forças políticas contrárias são poderosas, e nunca se chegou a um acordo. Muita gente diz, de público, que quer acabar com o imposto sindical. E trabalha, nos bastidores, para que não acabe.
Foi por isso que a Força Sindical apresentou ao governo um projeto simples e direto, que resolve de uma só vez a questão. Em vez de mexer na Constituição, propomos um projeto de lei que, ao regulamentar o inciso 4º do artigo 8º da Constituição (o que exige apenas maioria simples no Parlamento), acaba com o imposto sindical e com a contribuição assistencial, deixando apenas -e, ainda assim, como contribuição voluntária-a confederativa, para que os sindicatos combativos possam cumprir com sua função.
O projeto da Força, que o governo encampou, dispõe que a contribuição confederativa só poderá ser cobrada mediante consulta a pelo menos 10% de toda a categoria, inclusive não-filiados, em assembléias.
Ou seja: o trabalhador tem que dizer se quer ou não pagar. Fica claro, portanto, que a contribuição não é obrigatória, cabendo a cada sindicato convencer sua base de tal necessidade.
Nosso projeto resultará no óbvio: sindicatos, federações e confederações distanciados das bases terão interrompido os dinheirodutos que os sustentam e morrerão à míngua, pois ou não conseguirão realizar assembléias ou as que aprovarem a cobrança certamente proibirão que os recursos sejam distribuídos para quem não sabe usá-los.
Estou convencido de que essa proposta, por sua simplicidade e eficácia, é o primeiro passo para a grande reforma do sistema de representação da sociedade, que terá de vir, depois, por intermédio de emenda constitucional.
Mas este deverá ser, devido à sua complexidade, o segundo e definitivo passo, no contexto das demais reformas que precisamos fazer: política, administrativa, previdenciária, tributária, fiscal etc.
Para terminar, quero insistir no fato de que, mesmo prevista em lei, a contribuição confederativa não deverá ser obrigatória, mas voluntária, o que se garante com a consulta ampla à base.
De impostos, taxas e contribuições compulsórias a sociedade já está cheia, até porque só com menos tributos e menores alíquotas, pagos espontaneamente, por consciência de cidadania, poderemos ter maior arrecadação, seguida da efetiva exigência, por parte do cidadão, de melhores resultados, tanto do Estado quanto das instituições de representação da sociedade. Entre as quais estão os sindicatos.
Paulo Pereira da Silva, 39, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e diretor da
Força Sindical.”
Fonte: Folha de S. Paulo - São Paulo, quarta, 12 de março de 1997
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A moralização dos sindicatos
Um dos problemas que mais incomodam os estudiosos da área trabalhista e os dirigentes responsáveis do sindicalismo brasileiro é a chamada "indústria de sindicatos" - entidades que são aprovadas por assembléias minúsculas e estatutos obscuros, interessados, unicamente, na contribuição sindical.
O que fazer? Acabar abruptamente com a contribuição sindical compulsória penalizaria as boas entidades. Acabar de maneira branda daria sobrevida às que deveriam ter morte súbita. Transformar o compulsório em voluntário estimularia os que gostam de viajar de "carona" dizendo: "Por que vou pagar o sindicato se há trouxas que pagam por mim?”.
A questão do financiamento das entidades sindicais está ligada ao modelo sindical que se pretende para o Brasil, assunto a ser discutido no Fórum Nacional do Trabalho. Por ora, deixemos isso de lado, para perguntar: existe alguma maneira de moralizar os atuais sindicatos aproveitadores?
Em todo o mundo a vida sindical é sujeita a desvios de conduta. Os Estados Unidos, por exemplo, vivem esse drama com os 5.426 sindicatos cuja receita anual é superior a US$ 220 mil. Muitos deles têm apresentado sinais de corrupção, causando danos aos seus representados (Elaine Chao, "Demanding transparency from unions", Washington: Department of Labor, 2003).
Entretanto, por força de uma lei antiga e em vigor até hoje (Labor-Management Reporting and Disclosure Act - 1959), os sindicatos (e empresas que se relacionem com eles) são obrigados a enviar ao Ministério do Trabalho relatórios anuais detalhados sobre o uso de recursos pagos pelos empregados, o que permite ao governo ajudar os contribuintes a zelar pelos seus recursos.
Ocorre que os relatórios desenhados em 1959 tornaram-se complicados e ineficientes em vista da esperteza dos contraventores contemporâneos. Por isso, aquele Ministério está modernizando a referida maquinaria de controle, introduzindo, inclusive, um sistema de Internet que permite, aos contribuintes, escarafunchar as contas das entidades sindicais até o último centavo.
Essa obrigação já existiu no Brasil. Pela redação do art. 551 da CLT dada pelo Decreto-Lei 8.740 de 19/01/1946, os sindicatos, federações e confederações eram obrigados a enviar anualmente à antiga Comissão de Sindicalização do Ministério do Trabalho, em formulário-padrão, uma minuciosa prestação de contas, especialmente sobre o uso do imposto sindical.
Hoje isso é um absurdo, pois a Constituição de 1988 (art. 8.º) vedou a interferência do Poder Público na vida dos sindicatos. Ao mesmo tempo, porém, a Constituição manteve a compulsoriedade do velho imposto sindical.
Surgiu uma arquitetura intrigante. A Carta Magna garantiu a receita (recursos parafiscal) e dispensou os sindicatos de prestar contas e serviços aos seus representados - não precisando dar satisfações nem ao governo (que garante a compulsoriedade), nem aos seus representados (que pagam a contribuição). Como são organizações sem fins lucrativos, os sindicatos não têm, tampouco, obrigação de publicar seus balanços.
Será que era isso mesmo o que os constituintes queriam? Ninguém previu que a inusitada fórmula nos levaria à balbúrdia atual?
Os americanos - que são os campeões do autocontrole - acham que o governo precisa entrar no circuito para facilitar aos pagantes o controle de seu dinheiro. Aliás, nos Estados Unidos, há também uma contribuição sindical compulsória que deve ser paga por sindicalizados e não sindicalizados que são cobertos por negociação coletiva. Só com muita justificativa eles podem se isentar desse pagamento porque, afinal, ele se destina a cobrir as despesas dos sindicatos nos trabalhos da negociação coletiva e evitar a proliferação dos "caronas".
Não estou propondo copiar nada e muito menos voltar às práticas do autoritarismo. Estou apenas informando que é possível moralizar os sindicatos inescrupulosos no modelo atual ou em outro. Dentre eles há que se reavaliar essa estranha garantia de receita sem obrigação de prestação de contas e de serviços. Isso não se ajusta aos dias de hoje, quando se cobram transparência crescente e responsabilidade constante de todas organizações sociais. Não há justificativa para os sindicatos ficarem de fora disso.
Movimentos de massa
Rodoviários lutam por melhores salários
Gustavo Silveira BH-M
Belo Horizonte – Desde o início de fevereiro, motoristas e cobradores de ônibus de Belo Horizonte e região metropolitana estão em estado de greve, realizando paralisações esporádicas por toda a cidade, na luta por melhores salários e condições de trabalho. Eles exigem, principalmente, reajuste de 35% para motoristas e despachantes, e 91% para cobradores — além da redução da jornada de trabalho de 06:40 minutos para 06 horas — conforme manda a lei.
Organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de BH (STTR), os trabalhadores têm aderido massivamente aos movimentos que vêm se alastrando pela cidade — forçando os empresários do setor e a BHTrans (órgão gerenciador do sistema de transporte da prefeitura da capital mineira) a negociar. Vale lembrar que o transporte coletivo de BH é comandado por apenas sete famílias de empresários da região, que anualmente auferem lucros bastante altos — conforme denúncias divulgadas pelos trabalhadores em seus boletins periódicos — dando conta que o patrimônio de alguns grupos do setor inclui até empresas aéreas, fazendas de gado e haras.
“Estamos em luta para defender nossos direitos conquistados e exigir melhorias. Exercemos nosso legítimo direito de greve para arrancar dos empresários o que é nosso”, afirma categórico Geraldo Mascarenhas Machado, coordenador político do STTR, ouvido por AND em princípios de março. “A exploração sobre os rodoviários e a população é muito grande. Todos, sem exceção, são prejudicados. Nesse sentido, consideramos também tarefa nossa lutar por um melhor transporte para o povo”, continua Mascarenhas.
Apoio popular
Apesar do transporte coletivo ser um serviço essencial à população, as paralisações no sistema de transporte feita pelos trabalhadores têm recebido apoio e incentivo dos usuários. Um dos fatores responsáveis por isso são os constantes aumentos no preço das tarifas dos ônibus e a qualidade do serviço prestado — que decai de ano para ano. Ouro fator é o intenso trabalho realizado pelos grevistas junto ao povo, antes e depois de seus movimentos. Panfletos e manifestos são distribuídos nos pontos de maior concentração de pessoas, além dos esclarecimentos prestados aos passageiros dentro dos veículos. Segundo o coordenador do STTR, as manifestações de apoio dos usuários vão desde as simples palavras de incentivo até a inutilização de vários ônibus — especialmente quando a polícia militar reprime os trabalhadores.
As condições do transporte coletivo de BH são duras, transformando o deslocamento diário dos passageiros num sofrimento continuado: são ônibus velhos e sempre lotados; tarifas que sobem indiscriminadamente (somente de julho/1994 até agora, o aumento acumulado chega 246%), além do transtorno dos itinerários que se alternam por conta da chamada “modernização” do transporte em Belo Horizonte, promovida pela prefeitura e batizada de BHBUS. Este projeto, alvo do ódio popular, reúne várias linhas de ônibus em estações de embarque e desembarque, concentrando linhas e suprimindo itinerários de inúmeros bairros o que dificulta a utilização desses coletivos. “Eu demorava mais ou menos 45 minutos daqui (centro) até minha casa, no bairro Cardoso. Agora, com essa tal estação, só chego com 1:30, 1:40, porque tenho de trocar de ônibus e dar muitas voltas”, d iz a dona de casa Maria Aparecida Lins, 46 anos, revoltada com as modificações implantadas no transporte público. Como ela, vários outros se queixam. Mas, com toda esta situação, os únicos, ao que parece, que não têm do que reclamar, são os empresários.
Impasse
Logo que estouraram as primeiras paralisações, o sindicato patronal SETRA (Sindicato das Empresas de Transporte) começou a relutar em encetar negociação com os rodoviários. “Eles tentam todos os anos nos tirar direitos, em vez aumentar os salários e melhorar as condições de trabalho”, afirma Jefferson Prado, coordenador jurídico do sindicato dos rodoviários. “Desse modo, os patrões criam o impasse, as negociações são atrasadas ao máximo”, continua Jefferson, referindo-se à situação que se formou nas últimas semanas entre trabalhadores e empresários. Nas reuniões de conciliação na DRT (Delegacia Regional do Trabalho) e nas audiências do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), os empresários vinham oferecendo índices irrisórios, até que o tribunal apresentasse a proposta de 16%, em torno da qual giram ainda as negociações. Até mesmo o prefeito da cidade, Fernando Pimentel (PT) recebeu, depois de muita pressão, representantes dos trabalhadores, mas só promessas resultaram desse encontro.
Até agora, mantém-se em suspenso a decisão sobre o caso. Mas, nesta época de sindicatos apoiando o governo, sindicalistas em busca de cargos oficiais e de intensa propaganda de que não se deve lutar contra a exploração dos trabalhadores, os motoristas e cobradores de Belo Horizonte dão exemplo para todo o país, mostrando que — apesar do desemprego e de outras condições adversas — é possível mobilizar a categoria e enfrentar sem temor a exploração.
O que fazer? Acabar abruptamente com a contribuição sindical compulsória penalizaria as boas entidades. Acabar de maneira branda daria sobrevida às que deveriam ter morte súbita. Transformar o compulsório em voluntário estimularia os que gostam de viajar de "carona" dizendo: "Por que vou pagar o sindicato se há trouxas que pagam por mim?”.
A questão do financiamento das entidades sindicais está ligada ao modelo sindical que se pretende para o Brasil, assunto a ser discutido no Fórum Nacional do Trabalho. Por ora, deixemos isso de lado, para perguntar: existe alguma maneira de moralizar os atuais sindicatos aproveitadores?
Em todo o mundo a vida sindical é sujeita a desvios de conduta. Os Estados Unidos, por exemplo, vivem esse drama com os 5.426 sindicatos cuja receita anual é superior a US$ 220 mil. Muitos deles têm apresentado sinais de corrupção, causando danos aos seus representados (Elaine Chao, "Demanding transparency from unions", Washington: Department of Labor, 2003).
Entretanto, por força de uma lei antiga e em vigor até hoje (Labor-Management Reporting and Disclosure Act - 1959), os sindicatos (e empresas que se relacionem com eles) são obrigados a enviar ao Ministério do Trabalho relatórios anuais detalhados sobre o uso de recursos pagos pelos empregados, o que permite ao governo ajudar os contribuintes a zelar pelos seus recursos.
Ocorre que os relatórios desenhados em 1959 tornaram-se complicados e ineficientes em vista da esperteza dos contraventores contemporâneos. Por isso, aquele Ministério está modernizando a referida maquinaria de controle, introduzindo, inclusive, um sistema de Internet que permite, aos contribuintes, escarafunchar as contas das entidades sindicais até o último centavo.
Essa obrigação já existiu no Brasil. Pela redação do art. 551 da CLT dada pelo Decreto-Lei 8.740 de 19/01/1946, os sindicatos, federações e confederações eram obrigados a enviar anualmente à antiga Comissão de Sindicalização do Ministério do Trabalho, em formulário-padrão, uma minuciosa prestação de contas, especialmente sobre o uso do imposto sindical.
Hoje isso é um absurdo, pois a Constituição de 1988 (art. 8.º) vedou a interferência do Poder Público na vida dos sindicatos. Ao mesmo tempo, porém, a Constituição manteve a compulsoriedade do velho imposto sindical.
Surgiu uma arquitetura intrigante. A Carta Magna garantiu a receita (recursos parafiscal) e dispensou os sindicatos de prestar contas e serviços aos seus representados - não precisando dar satisfações nem ao governo (que garante a compulsoriedade), nem aos seus representados (que pagam a contribuição). Como são organizações sem fins lucrativos, os sindicatos não têm, tampouco, obrigação de publicar seus balanços.
Será que era isso mesmo o que os constituintes queriam? Ninguém previu que a inusitada fórmula nos levaria à balbúrdia atual?
Os americanos - que são os campeões do autocontrole - acham que o governo precisa entrar no circuito para facilitar aos pagantes o controle de seu dinheiro. Aliás, nos Estados Unidos, há também uma contribuição sindical compulsória que deve ser paga por sindicalizados e não sindicalizados que são cobertos por negociação coletiva. Só com muita justificativa eles podem se isentar desse pagamento porque, afinal, ele se destina a cobrir as despesas dos sindicatos nos trabalhos da negociação coletiva e evitar a proliferação dos "caronas".
Não estou propondo copiar nada e muito menos voltar às práticas do autoritarismo. Estou apenas informando que é possível moralizar os sindicatos inescrupulosos no modelo atual ou em outro. Dentre eles há que se reavaliar essa estranha garantia de receita sem obrigação de prestação de contas e de serviços. Isso não se ajusta aos dias de hoje, quando se cobram transparência crescente e responsabilidade constante de todas organizações sociais. Não há justificativa para os sindicatos ficarem de fora disso.
Movimentos de massa
Rodoviários lutam por melhores salários
Gustavo Silveira BH-M
Belo Horizonte – Desde o início de fevereiro, motoristas e cobradores de ônibus de Belo Horizonte e região metropolitana estão em estado de greve, realizando paralisações esporádicas por toda a cidade, na luta por melhores salários e condições de trabalho. Eles exigem, principalmente, reajuste de 35% para motoristas e despachantes, e 91% para cobradores — além da redução da jornada de trabalho de 06:40 minutos para 06 horas — conforme manda a lei.
Organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de BH (STTR), os trabalhadores têm aderido massivamente aos movimentos que vêm se alastrando pela cidade — forçando os empresários do setor e a BHTrans (órgão gerenciador do sistema de transporte da prefeitura da capital mineira) a negociar. Vale lembrar que o transporte coletivo de BH é comandado por apenas sete famílias de empresários da região, que anualmente auferem lucros bastante altos — conforme denúncias divulgadas pelos trabalhadores em seus boletins periódicos — dando conta que o patrimônio de alguns grupos do setor inclui até empresas aéreas, fazendas de gado e haras.
“Estamos em luta para defender nossos direitos conquistados e exigir melhorias. Exercemos nosso legítimo direito de greve para arrancar dos empresários o que é nosso”, afirma categórico Geraldo Mascarenhas Machado, coordenador político do STTR, ouvido por AND em princípios de março. “A exploração sobre os rodoviários e a população é muito grande. Todos, sem exceção, são prejudicados. Nesse sentido, consideramos também tarefa nossa lutar por um melhor transporte para o povo”, continua Mascarenhas.
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Apesar do transporte coletivo ser um serviço essencial à população, as paralisações no sistema de transporte feita pelos trabalhadores têm recebido apoio e incentivo dos usuários. Um dos fatores responsáveis por isso são os constantes aumentos no preço das tarifas dos ônibus e a qualidade do serviço prestado — que decai de ano para ano. Ouro fator é o intenso trabalho realizado pelos grevistas junto ao povo, antes e depois de seus movimentos. Panfletos e manifestos são distribuídos nos pontos de maior concentração de pessoas, além dos esclarecimentos prestados aos passageiros dentro dos veículos. Segundo o coordenador do STTR, as manifestações de apoio dos usuários vão desde as simples palavras de incentivo até a inutilização de vários ônibus — especialmente quando a polícia militar reprime os trabalhadores.
As condições do transporte coletivo de BH são duras, transformando o deslocamento diário dos passageiros num sofrimento continuado: são ônibus velhos e sempre lotados; tarifas que sobem indiscriminadamente (somente de julho/1994 até agora, o aumento acumulado chega 246%), além do transtorno dos itinerários que se alternam por conta da chamada “modernização” do transporte em Belo Horizonte, promovida pela prefeitura e batizada de BHBUS. Este projeto, alvo do ódio popular, reúne várias linhas de ônibus em estações de embarque e desembarque, concentrando linhas e suprimindo itinerários de inúmeros bairros o que dificulta a utilização desses coletivos. “Eu demorava mais ou menos 45 minutos daqui (centro) até minha casa, no bairro Cardoso. Agora, com essa tal estação, só chego com 1:30, 1:40, porque tenho de trocar de ônibus e dar muitas voltas”, d iz a dona de casa Maria Aparecida Lins, 46 anos, revoltada com as modificações implantadas no transporte público. Como ela, vários outros se queixam. Mas, com toda esta situação, os únicos, ao que parece, que não têm do que reclamar, são os empresários.
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Até agora, mantém-se em suspenso a decisão sobre o caso. Mas, nesta época de sindicatos apoiando o governo, sindicalistas em busca de cargos oficiais e de intensa propaganda de que não se deve lutar contra a exploração dos trabalhadores, os motoristas e cobradores de Belo Horizonte dão exemplo para todo o país, mostrando que — apesar do desemprego e de outras condições adversas — é possível mobilizar a categoria e enfrentar sem temor a exploração.
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A moralização dos sindicatos Um dos problemas que mais incomodam os estudiosos da área trabalhista e os dirigentes responsáveis do sindicalismo brasileiro é a chamada "indústria de sindicatos" - entidades que são aprovadas por assembléias minúsculas e estatutos obscuros, interessadas, unicamente, na contribuição sindical.
O que fazer? Acabar abruptamente com a contribuição sindical compulsória penalizaria as boas entidades. Acabar de maneira branda daria sobre vida às que deveriam ter morte súbita. Transformar o compulsório em voluntário estimularia os que gostam de viajar de "carona" dizendo: "Por que vou pagar o sindicato se há trouxas que pagam por mim?"
A questão do financiamento das entidades sindicais está ligada ao modelo sindical que se pretende para o Brasil, assunto a ser discutido no Fórum Nacional do Trabalho. Por ora, deixemos isso de lado, para perguntar: existe alguma maneira de moralizar os atuais sindicatos aproveitadores?
Em todo o mundo a vida sindical é sujeita a desvios de conduta. Os Estados Unidos, por exemplo, vivem esse drama com os 5.426 sindicatos cuja receita anual é superior a US$ 220 mil. Muitos deles têm apresentado sinais de corrupção, causando danos aos seus representados (Elaine Chao, "Demanding transparency from unions", Washington: Department of Labor, 2003).
Entretanto, por força de uma lei antiga e em vigor até hoje (Labor-Management Reporting and Disclosure Act - 1959), os sindicatos (e empresas que se relacionem com eles) são obrigados a enviar ao Ministério do Trabalho relatórios anuais detalhados sobre o uso de recursos pagos pelos empregados, o que permite ao governo ajudar os contribuintes a zelar pelos seus recursos.
Ocorre que os relatórios desenhados em 1959 tornaram-se complicados e ineficientes em vista da esperteza dos contraventores contemporâneos. Por isso, aquele Ministério está modernizando a referida maquinaria de controle, introduzindo, inclusive, um sistema de Internet que permite, aos contribuintes, escarafunchar as contas das entidades sindicais até o último centavo.
Essa obrigação já existiu no Brasil. Pela redação do art. 551 da CLT dada pelo Decreto-Lei 8.740 de 19/01/1946, os sindicatos, federações e confederações eram obrigados a enviar anualmente à antiga Comissão de Sindicalização do Ministério do Trabalho, em formulário-padrão, uma minuciosa prestação de contas, especialmente sobre o uso do imposto sindical.
Hoje isso é um absurdo, pois a Constituição de 1988 (art. 8.º) vedou a interferência do Poder Público na vida dos sindicatos. Ao mesmo tempo, porém, a Constituição manteve a compulsoriedade do velho imposto sindical.
Surgiu uma arquitetura intrigante. A Carta Magna garantiu a receita (recursos parafiscal) e dispensou os sindicatos de prestar contas e serviços aos seus representados - não precisando dar satisfações nem ao governo (que garante a compulsoriedade), nem aos seus representados (que pagam a contribuição). Como são organizações sem fins lucrativos, os sindicatos não têm, tampouco, obrigação de publicar seus balanços.
Será que era isso mesmo o que os constituintes queriam? Ninguém previu que a inusitada fórmula nos levaria à balbúrdia atual?
Os americanos - que são os campeões do autocontrole - acham que o governo precisa entrar no circuito para facilitar aos pagantes o controle de seu dinheiro. Aliás, nos Estados Unidos, há também uma contribuição sindical compulsória que deve ser paga por sindicalizados e não sindicalizados que são cobertos por negociação coletiva. Só com muita justificativa eles podem se isentar desse pagamento porque, afinal, ele se destina a cobrir as despesas dos sindicatos nos trabalhos da negociação coletiva e evitar a proliferação dos "caronas".
Não estou propondo copiar nada e muito menos voltar às práticas do autoritarismo. Estou apenas informando que é possível moralizar os sindicatos inescrupulosos no modelo atual ou em outro. Dentre eles há que se reavaliar essa estranha garantia de receita sem obrigação de prestação de contas e de serviços. Isso não se ajusta aos dias de hoje, quando se cobram transparência crescente e responsabilidade constante de todas organizações sociais. Não há justificativa para os sindicatos ficarem de fora disso.
Ano 1, n.8, abril
Movimentos de massa
Rodoviários lutam por melhores salários
Gustavo Silveira BH-MG
Belo Horizonte – Desde o início de fevereiro, motoristas e cobradores de ônibus de Belo Horizonte e região metropolitana estão em estado de greve, realizando paralisações esporádicas por toda a cidade, na luta por melhores salários e condições de trabalho. Eles exigem, principalmente, reajuste de 35% para motoristas e despachantes, e 91% para cobradores — além da redução da jornada de trabalho de 06:40 minutos para 06 horas — conforme manda a lei.
Organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de BH (STTR), os trabalhadores têm aderido massivamente aos movimentos que vêm se alastrando pela cidade — forçando os empresários do setor e a BHTrans (órgão gerenciador do sistema de transporte da prefeitura da capital mineira) a negociar. Vale lembrar que o transporte coletivo de BH é comandado por apenas sete famílias de empresários da região, que anualmente auferem lucros bastante altos — conforme denúncias divulgadas pelos trabalhadores em seus boletins periódicos — dando conta que o patrimônio de alguns grupos do setor inclui até empresas aéreas, fazendas de gado e haras.
“Estamos em luta para defender nossos direitos conquistados e exigir melhorias. Exercemos nosso legítimo direito de greve para arrancar dos empresários o que é nosso”, afirma categórico Geraldo Mascarenhas Machado, coordenador político do STTR, ouvido por AND em princípios de março. “A exploração sobre os rodoviários e a população é muito grande. Todos, sem exceção, são prejudicados. Nesse sentido, consideramos também tarefa nossa lutar por um melhor transporte para o povo”, continua Mascarenhas.
Apoio popular
Apesar do transporte coletivo ser um serviço essencial à população, as paralisações no sistema de transporte feita pelos trabalhadores têm recebido apoio e incentivo dos usuários. Um dos fatores responsáveis por isso são os constantes aumentos no preço das tarifas dos ônibus e a qualidade do serviço prestado — que decai de ano para ano. Ouro fator é o intenso trabalho realizado pelos grevistas junto ao povo, antes e depois de seus movimentos. Panfletos e manifestos são distribuídos nos pontos de maior concentração de pessoas, além dos esclarecimentos prestados aos passageiros dentro dos veículos. Segundo o coordenador do STTR, as manifestações de apoio dos usuários vão desde as simples palavras de incentivo até a inutilização de vários ônibus — especialmente quando a polícia militar reprime os trabalhadores.
As condições do transporte coletivo de BH são duras, transformando o deslocamento diário dos passageiros num sofrimento continuado: são ônibus velhos e sempre lotados; tarifas que sobem indiscriminadamente (somente de julho/1994 até agora, o aumento acumulado chega 246%), além do transtorno dos itinerários que se alternam por conta da chamada “modernização” do transporte em Belo Horizonte, promovida pela prefeitura e batizada de BHBUS. Este projeto, alvo do ódio popular, reúne várias linhas de ônibus em estações de embarque e desembarque, concentrando linhas e suprimindo itinerários de inúmeros bairros o que dificulta a utilização desses coletivos. “Eu demorava mais ou menos 45 minutos daqui (centro) até minha casa, no bairro Cardoso. Agora, com essa tal estação, só chego com 1:30, 1:40, porque tenho de trocar de ônibus e dar muitas voltas”, d iz a dona de casa Maria Aparecida Lins, 46 anos, revoltada com as modificações implantadas no transporte público. Como ela, vários outros se queixam. Mas, com toda esta situação, os únicos, ao que parece, que não têm do que reclamar, são os empresários.
Impasse
Logo que estouraram as primeiras paralisações, o sindicato patronal SETRA (Sindicato das Empresas de Transporte) começou a relutar em encetar negociação com os rodoviários. “Eles tentam todos os anos nos tirar direitos, em vez aumentar os salários e melhorar as condições de trabalho”, afirma Jefferson Prado, coordenador jurídico do sindicato dos rodoviários. “Desse modo, os patrões criam o impasse, as negociações são atrasadas ao máximo”, continua Jefferson, referindo-se à situação que se formou nas últimas semanas entre trabalhadores e empresários. Nas reuniões de conciliação na DRT (Delegacia Regional do Trabalho) e nas audiências do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), os empresários vinham oferecendo índices irrisórios, até que o tribunal apresentasse a proposta de 16%, em torno da qual giram ainda as negociações. Até mesmo o prefeito da cidade, Fernando Pimentel (PT) recebeu, depois de muita pressão, representantes dos trabalhadores, mas só promessas resultaram desse encontro.
Até agora, mantém-se em suspenso a decisão sobre o caso. Mas, nesta época de sindicatos apoiando o governo, sindicalistas em busca de cargos oficiais e de intensa propaganda de que não se deve lutar contra a exploração dos trabalhadores, os motoristas e cobradores de Belo Horizonte dão exemplo para todo o país, mostrando que — apesar do desemprego e de outras condições adversas — é possível mobilizar a categoria e enfrentar sem temor a exploração.
O que fazer? Acabar abruptamente com a contribuição sindical compulsória penalizaria as boas entidades. Acabar de maneira branda daria sobre vida às que deveriam ter morte súbita. Transformar o compulsório em voluntário estimularia os que gostam de viajar de "carona" dizendo: "Por que vou pagar o sindicato se há trouxas que pagam por mim?"
A questão do financiamento das entidades sindicais está ligada ao modelo sindical que se pretende para o Brasil, assunto a ser discutido no Fórum Nacional do Trabalho. Por ora, deixemos isso de lado, para perguntar: existe alguma maneira de moralizar os atuais sindicatos aproveitadores?
Em todo o mundo a vida sindical é sujeita a desvios de conduta. Os Estados Unidos, por exemplo, vivem esse drama com os 5.426 sindicatos cuja receita anual é superior a US$ 220 mil. Muitos deles têm apresentado sinais de corrupção, causando danos aos seus representados (Elaine Chao, "Demanding transparency from unions", Washington: Department of Labor, 2003).
Entretanto, por força de uma lei antiga e em vigor até hoje (Labor-Management Reporting and Disclosure Act - 1959), os sindicatos (e empresas que se relacionem com eles) são obrigados a enviar ao Ministério do Trabalho relatórios anuais detalhados sobre o uso de recursos pagos pelos empregados, o que permite ao governo ajudar os contribuintes a zelar pelos seus recursos.
Ocorre que os relatórios desenhados em 1959 tornaram-se complicados e ineficientes em vista da esperteza dos contraventores contemporâneos. Por isso, aquele Ministério está modernizando a referida maquinaria de controle, introduzindo, inclusive, um sistema de Internet que permite, aos contribuintes, escarafunchar as contas das entidades sindicais até o último centavo.
Essa obrigação já existiu no Brasil. Pela redação do art. 551 da CLT dada pelo Decreto-Lei 8.740 de 19/01/1946, os sindicatos, federações e confederações eram obrigados a enviar anualmente à antiga Comissão de Sindicalização do Ministério do Trabalho, em formulário-padrão, uma minuciosa prestação de contas, especialmente sobre o uso do imposto sindical.
Hoje isso é um absurdo, pois a Constituição de 1988 (art. 8.º) vedou a interferência do Poder Público na vida dos sindicatos. Ao mesmo tempo, porém, a Constituição manteve a compulsoriedade do velho imposto sindical.
Surgiu uma arquitetura intrigante. A Carta Magna garantiu a receita (recursos parafiscal) e dispensou os sindicatos de prestar contas e serviços aos seus representados - não precisando dar satisfações nem ao governo (que garante a compulsoriedade), nem aos seus representados (que pagam a contribuição). Como são organizações sem fins lucrativos, os sindicatos não têm, tampouco, obrigação de publicar seus balanços.
Será que era isso mesmo o que os constituintes queriam? Ninguém previu que a inusitada fórmula nos levaria à balbúrdia atual?
Os americanos - que são os campeões do autocontrole - acham que o governo precisa entrar no circuito para facilitar aos pagantes o controle de seu dinheiro. Aliás, nos Estados Unidos, há também uma contribuição sindical compulsória que deve ser paga por sindicalizados e não sindicalizados que são cobertos por negociação coletiva. Só com muita justificativa eles podem se isentar desse pagamento porque, afinal, ele se destina a cobrir as despesas dos sindicatos nos trabalhos da negociação coletiva e evitar a proliferação dos "caronas".
Não estou propondo copiar nada e muito menos voltar às práticas do autoritarismo. Estou apenas informando que é possível moralizar os sindicatos inescrupulosos no modelo atual ou em outro. Dentre eles há que se reavaliar essa estranha garantia de receita sem obrigação de prestação de contas e de serviços. Isso não se ajusta aos dias de hoje, quando se cobram transparência crescente e responsabilidade constante de todas organizações sociais. Não há justificativa para os sindicatos ficarem de fora disso.
Ano 1, n.8, abril
Movimentos de massa
Rodoviários lutam por melhores salários
Gustavo Silveira BH-MG
Belo Horizonte – Desde o início de fevereiro, motoristas e cobradores de ônibus de Belo Horizonte e região metropolitana estão em estado de greve, realizando paralisações esporádicas por toda a cidade, na luta por melhores salários e condições de trabalho. Eles exigem, principalmente, reajuste de 35% para motoristas e despachantes, e 91% para cobradores — além da redução da jornada de trabalho de 06:40 minutos para 06 horas — conforme manda a lei.
Organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de BH (STTR), os trabalhadores têm aderido massivamente aos movimentos que vêm se alastrando pela cidade — forçando os empresários do setor e a BHTrans (órgão gerenciador do sistema de transporte da prefeitura da capital mineira) a negociar. Vale lembrar que o transporte coletivo de BH é comandado por apenas sete famílias de empresários da região, que anualmente auferem lucros bastante altos — conforme denúncias divulgadas pelos trabalhadores em seus boletins periódicos — dando conta que o patrimônio de alguns grupos do setor inclui até empresas aéreas, fazendas de gado e haras.
“Estamos em luta para defender nossos direitos conquistados e exigir melhorias. Exercemos nosso legítimo direito de greve para arrancar dos empresários o que é nosso”, afirma categórico Geraldo Mascarenhas Machado, coordenador político do STTR, ouvido por AND em princípios de março. “A exploração sobre os rodoviários e a população é muito grande. Todos, sem exceção, são prejudicados. Nesse sentido, consideramos também tarefa nossa lutar por um melhor transporte para o povo”, continua Mascarenhas.
Apoio popular
Apesar do transporte coletivo ser um serviço essencial à população, as paralisações no sistema de transporte feita pelos trabalhadores têm recebido apoio e incentivo dos usuários. Um dos fatores responsáveis por isso são os constantes aumentos no preço das tarifas dos ônibus e a qualidade do serviço prestado — que decai de ano para ano. Ouro fator é o intenso trabalho realizado pelos grevistas junto ao povo, antes e depois de seus movimentos. Panfletos e manifestos são distribuídos nos pontos de maior concentração de pessoas, além dos esclarecimentos prestados aos passageiros dentro dos veículos. Segundo o coordenador do STTR, as manifestações de apoio dos usuários vão desde as simples palavras de incentivo até a inutilização de vários ônibus — especialmente quando a polícia militar reprime os trabalhadores.
As condições do transporte coletivo de BH são duras, transformando o deslocamento diário dos passageiros num sofrimento continuado: são ônibus velhos e sempre lotados; tarifas que sobem indiscriminadamente (somente de julho/1994 até agora, o aumento acumulado chega 246%), além do transtorno dos itinerários que se alternam por conta da chamada “modernização” do transporte em Belo Horizonte, promovida pela prefeitura e batizada de BHBUS. Este projeto, alvo do ódio popular, reúne várias linhas de ônibus em estações de embarque e desembarque, concentrando linhas e suprimindo itinerários de inúmeros bairros o que dificulta a utilização desses coletivos. “Eu demorava mais ou menos 45 minutos daqui (centro) até minha casa, no bairro Cardoso. Agora, com essa tal estação, só chego com 1:30, 1:40, porque tenho de trocar de ônibus e dar muitas voltas”, d iz a dona de casa Maria Aparecida Lins, 46 anos, revoltada com as modificações implantadas no transporte público. Como ela, vários outros se queixam. Mas, com toda esta situação, os únicos, ao que parece, que não têm do que reclamar, são os empresários.
Impasse
Logo que estouraram as primeiras paralisações, o sindicato patronal SETRA (Sindicato das Empresas de Transporte) começou a relutar em encetar negociação com os rodoviários. “Eles tentam todos os anos nos tirar direitos, em vez aumentar os salários e melhorar as condições de trabalho”, afirma Jefferson Prado, coordenador jurídico do sindicato dos rodoviários. “Desse modo, os patrões criam o impasse, as negociações são atrasadas ao máximo”, continua Jefferson, referindo-se à situação que se formou nas últimas semanas entre trabalhadores e empresários. Nas reuniões de conciliação na DRT (Delegacia Regional do Trabalho) e nas audiências do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), os empresários vinham oferecendo índices irrisórios, até que o tribunal apresentasse a proposta de 16%, em torno da qual giram ainda as negociações. Até mesmo o prefeito da cidade, Fernando Pimentel (PT) recebeu, depois de muita pressão, representantes dos trabalhadores, mas só promessas resultaram desse encontro.
Até agora, mantém-se em suspenso a decisão sobre o caso. Mas, nesta época de sindicatos apoiando o governo, sindicalistas em busca de cargos oficiais e de intensa propaganda de que não se deve lutar contra a exploração dos trabalhadores, os motoristas e cobradores de Belo Horizonte dão exemplo para todo o país, mostrando que — apesar do desemprego e de outras condições adversas — é possível mobilizar a categoria e enfrentar sem temor a exploração.
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