Quem acompanha, como eu, a trajetória do movimento sindical neste País sabe que ao longo das últimas décadas as lideranças dos trabalhadores, sobretudo aquelas abrigadas sob o mando da CUT, têm defendido sistematicamente o fim da arrecadação compulsória do chamado “imposto sindical” (trata-se, na realidade, de uma contribuição).
Os argumentos utilizados eram:
a) o imposto é uma herança maldita da legislação ditatorial getulista, por sua vez inspirada na legislação fascista italiana (Carta del Lavoro);b) destina-se a propiciar a manutenção de sindicatos inoperantes, comandados por pelegos, que não precisam ter trabalhadores sindicalizados, pois o imposto lhes garante (aos sindicatos) uma renda certa, sem necessidade de fazer qualquer esforço;c) com o seu fim, sempre se disse, somente iriam sobreviver aqueles sindicatos respeitados pela categoria e que desenvolvem permanente luta em defesa do seu corpo de associados.
Este o discurso.
Bastou, porém, a Câmara de Deputados aprovar uma emenda apresentada pelo deputado Augusto Carvalho - PPS/DF, ele próprio egresso do movimento sindical, para se instalar no País uma situação que seria absolutamente ridícula se não fosse trágica.
Quase todos os sindicalistas deste País se uniram na condenação da aprovação da emenda e esgrimem o curioso discurso de que continuam, sim, a favor da extinção do famigerado imposto, mas que:
a) não pode ser assim de repente, sem nenhuma discussão (como se o assunto não estivesse sendo discutido há pelo menos 40 anos);b) não pode acabar somente com a arrecadação do imposto junto aos trabalhadores, pois a emenda foi apresentada a um projeto que não atinge os sindicatos patronais, que também têm o seu “imposto sindical” arrecadado junto às empresas. Afora a surpresa de ver representantes de trabalhadores defendendo os interesses das empresas (e não dos trabalhadores), a solução natural seria a proposição de alteração similar do lado das empresas, buscando-se a isonomia, se é o caso. Nunca o contrário!;c) essa decisão significa o fim dos sindicatos (estranhamente não se usa mais o adjetivo “pelegos”, que sempre acompanhou este argumento nas últimas décadas; agora significaria, numa nova leitura, o fim de todos os sindicatos ou, quem sabe, significaria talvez que não há mais sindicato pelego no País).
A bem da verdade, esclareçam-se duas importantes coisas:
a) a emenda aprovada não acaba com o famigerado “imposto”, mas o torna opcional e não mais compulsório; b) o sindicato dos bancários de São Paulo, filiado à CUT, há muitos anos não se locupleta desta arrecadação compulsória. Por muitos anos recusava sua cobrança e, desde 2006, obrigado por decisão judicial a recolhê-lo, devolve aos trabalhadores os 60% que lhe caberiam.
Hoje este sindicato, o de São Paulo, é a prova viva da argumentação utilizada há décadas: os sindicatos representativos não precisam espoliar os trabalhadores e podem prescindir do tal imposto. Portanto, se o Senado mantiver a emenda e se a presidente Lula não a vetar (o que o obrigaria a dizer que seria bravata sua histórica defesa do fim do imposto) os sindicatos em geral não acabarão. Talvez somente os pelegos, como se dizia antigamente.
Finalmente, lamento profundamente o baixo nível de algumas lideranças que se vêem ameaçadas de perder a mais tradicional boquinha do sindicalismo brasileiro, que lhes permitir ter sindicatos sem trabalhadores sindicalizados. A destacar, segundo notícia hoje publicada em O Globo, que os “ânimos estão bastante acirrados, inclusive com ameaças pouco veladas feitas pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical. Augusto Carvalho disse que teme ser hostilizado e agredido, e avalia a conveniência de participar ou não da audiência. Num debate com Paulinho, na TV Câmara, ele disse ter sido alvo de agressões pesadas, o que transformou o debate em uma enorme “baixaria”. - “Ele ainda não viu nada. Ele corre o risco de apanhar na rua. Aí vai entender o que está fazendo” - disse Paulinho, durante reunião de sindicalistas ontem no Senado.”
Quatrocentos sindicalistas estão chegando a Brasília, com despesas pagas certamente pelo imposto sindical compulsório, para fazer a defesa veemente da manutenção do “monstrengo fascista” (como se dizia antes). É bom que os trabalhadores brasileiros vejam quem são essas lideranças que querem, sim, expropiar um dia dos seus salários, mas não os querem por perto, em seus sindicatos.
O deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical, ameaça o deputado Augusto Carvalho — “Ele corre o risco de apanhar na rua. Aí vai entender o que está fazendo” — em função da emenda que torna facultativa a contribuição sindical, conhecida como imposto sindical. Mas o deputado Paulinho tem (ou melhor, tinha, quando não estava na base-aliada do Governo) interessantes teses sobre o assunto.
Leiam a seguir trechos de um texto escrito por ele. Os negritos foram postos por mim (para que não se alegue estarem as frases fora do contexto, ao final dou a fonte para quem quiser ler o artigo na íntegra). Dá para ver que em 10 anos transformou-se de Paulo em Paulinho e passou para o time dos que “dizem que querem acabar com o imposto” e “trabalham para que ele não acabe”.
“Chega de imposto também no sindicato!”.
Essa fortuna serve, clara, para prestar serviços ao trabalhador, mas também para garantir a boa vida dos dirigentes.
PAULO PEREIRA DA SILVA
Os brasileiros pagam mais de 50 impostos, taxas e contribuições. É muito, principalmente porque recebemos pouco em troca. Só para manter as organizações sindicais (tanto dos empregados, como meu sindicato, quanto dos patrões, como a Fiesp), existe um imposto e duas contribuições que são como impostos, porque obrigatórios.
Como o governo está demorando a fazer as reformas tributária e fiscal, a Força Sindical decidiu dar o exemplo e fazer sua própria reforma, abrindo mão de tudo o que é imposto no sindicalismo.
Hoje, 8.730 sindicatos, 430 federações e 26 confederações são mantidos pelo famigerado imposto sindical, que existe desde 1937 e rende R$ 300 milhões ao ano, correspondentes ao desconto de um dia de trabalho de todo empregado com carteira assinada (60% para os sindicatos, 20% para o Ministério do Trabalho, 15% para as federações e 5% para as confederações).
Não precisamos desse imposto. Ele só serve para manter federações e confederações que existem desde a Era Vargas, dirigidas pelas mesmas pessoas há várias décadas e que, com raras exceções, nada fazem para defender os trabalhadores ou os empresários que afirmam representar. (…)
A Força Sindical acha que isso tem que acabar. Há pelo menos cinco anos se fala nisso, mas até agora o caminho foi errado. Pretendia-se acabar com a mamata com uma emenda constitucional reformando a estrutura sindical.
As forças políticas contrárias são poderosas, e nunca se chegou a um acordo. Muita gente diz, de público, que quer acabar com o imposto sindical. E trabalha, nos bastidores, para que não acabe.
Foi por isso que a Força Sindical apresentou ao governo um projeto simples e direto, que resolve de uma só vez a questão. Em vez de mexer na Constituição, propomos um projeto de lei que, ao regulamentar o inciso 4º do artigo 8º da Constituição (o que exige apenas maioria simples no Parlamento), acaba com o imposto sindical e com a contribuição assistencial, deixando apenas -e, ainda assim, como contribuição voluntária-a confederativa, para que os sindicatos combativos possam cumprir com sua função.
O projeto da Força, que o governo encampou, dispõe que a contribuição confederativa só poderá ser cobrada mediante consulta a pelo menos 10% de toda a categoria, inclusive não-filiados, em assembléias.
Ou seja: o trabalhador tem que dizer se quer ou não pagar. Fica claro, portanto, que a contribuição não é obrigatória, cabendo a cada sindicato convencer sua base de tal necessidade.
Nosso projeto resultará no óbvio: sindicatos, federações e confederações distanciados das bases terão interrompido os dinheirodutos que os sustentam e morrerão à míngua, pois ou não conseguirão realizar assembléias ou as que aprovarem a cobrança certamente proibirão que os recursos sejam distribuídos para quem não sabe usá-los.
Estou convencido de que essa proposta, por sua simplicidade e eficácia, é o primeiro passo para a grande reforma do sistema de representação da sociedade, que terá de vir, depois, por intermédio de emenda constitucional.
Mas este deverá ser, devido à sua complexidade, o segundo e definitivo passo, no contexto das demais reformas que precisamos fazer: política, administrativa, previdenciária, tributária, fiscal etc.
Para terminar, quero insistir no fato de que, mesmo prevista em lei, a contribuição confederativa não deverá ser obrigatória, mas voluntária, o que se garante com a consulta ampla à base.
De impostos, taxas e contribuições compulsórias a sociedade já está cheia, até porque só com menos tributos e menores alíquotas, pagos espontaneamente, por consciência de cidadania, poderemos ter maior arrecadação, seguida da efetiva exigência, por parte do cidadão, de melhores resultados, tanto do Estado quanto das instituições de representação da sociedade. Entre as quais estão os sindicatos.
Paulo Pereira da Silva, 39, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e diretor da
Força Sindical.”
Fonte: Folha de S. Paulo - São Paulo, quarta, 12 de março de 1997
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